segunda-feira, 9 de março de 2009

Cláusulas Supralegais de Exclusão de Antijuridicidade

Ao lado das justificativas “legais”, previstas no artigo 23 do Código Penal pátrio, muito se fala da existência das chamadas “causas supralegais de exclusão de antijuridicidade”, se referindo àquelas justificativas passíveis de reconhecimento judicial, e que, entretanto, não estão previstas expressamente no ordenamento jurídico.De início, cumpre salientar que temos por imprecisa a terminologia “supralegais”, dos supracitados casos. E isso se afirma, pois por mais que se reconheça judicialmente, em favor do agente, uma justificativa não prevista expressamente no artio 23 do Código Penal ou mesmo na parte especial do diploma em questão, sempre se poderá ter por base a hipótese de “exercício regular de direito”, que é bem abrangente, ou até mesmo o artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, que autoriza o juiz a decidir com base na analogia, nos costumes, e nos princípios gerais de direito.Em suma, ao nosso ver, a terminologia mais correta seria “causas extrapenais” de justificação, e não “supralegais” , que dá a idéia de que se está buscando a justificativa fora do ordenamento jurídico, sem base legal nenhuma para tal. Como bem salienta Cezar Roberto Bitencourt [1], não são, tais casos, um recurso metajurídico. Em qualquer caso, será sempre a lei que autorizará a forma de integração que mais for conveniente.A Antijuridicidade Material[2] e as Causas Supralegais de Justificação
Não se pode falar em causas supralegais de exclusão de antijuridicidade sem lembrar que o que lhes possibilitou a existência foi a formulação de um conceito “material” de antijuridicidade. Conceito este que definia a antijuridicidade como sendo o “socialmente danoso”. Assim, não se deve olvidar que, do conceito material de antijuridicidade foi que surgiram as chamadas causas supralegais de exclusão de antijuridicidade. Sobre tal aspecto, bem leciona Cezar Roberto Bitencourt
[3]: “A concepção do conteúdo material da antijuridicidade tornou possível a admissão de causas supralegais de justificação. Na verdade, para se reconhecer uma causa supralegal de justificação pode-se recorrer aos princípios gerais de direito, à analogia ou aos costumes, afastando-se a acusação de tratar-se de um recurso metajurídico.”
Assim, é de se afirmar que a ausência de antijuridicidade material, que exprime o caráter anti-social da conduta, pode levar ao reconhecimento, em favor do agente, de uma causa de justificação não prevista em nosso ordenamento jurídico. E acerca deste aspecto, bem leciona Aníbal Bruno
[4]: Só devem ser declaradas passíveis de pena os atos que violem ou ameacem condições existenciais da sociedade.Contudo, não se pode deixar de atribuir importância também à antijuridicidade formal, que se impõe como sendo a contrariedade de uma conduta com a norma positivada. Segundo o doutrinador supra[5], o verdadeiro antijurídico é o que se manifesta na contradição à uma norma de Direito. Sobre o assunto, leciona ainda o respeitável mestre[6]:
“Daí resulta que o domínio da chamada antijuridicidade material não coincide necessariamente com o do ilícito formal, e se, um se apresenta discordante do outro, é a este último, isto é, à definição legal que fica subordinado o juiz, podendo apenas recorrer à noção de antijuridicidade material como elemento de interpretação da norma”
[7].( Grifo Nosso)Admissibilidade e Críticas às Causas Supralegais de JustificaçãoNão se olvida, na doutrina, da admissibilidade das justificativas supralegais. É bem verdade que o ordenamento jurídico pátrio é omisso quanto ao tema, porém, doutrinariamente cada vez mais se fala em justificativas supralegais.Acerca da admissibilidade destas, bem salienta Cezar Roberto Bitencourt[8]:“O ordenamento jurídico brasileiro não faz qualquer referência às causas supralegais de justificação. Mas o caráter dinâmico da realidade social permite a incorporação de novas pautas sociais que passam a integrar o quotidiano dos cidadãos, transformando-se em normas culturais amplamente aceitas. Por isso, condutas outrora proibidas adquirem aceitação social, legitimando-as culturalmente.” Em essência, certos fatos tipificados pela lei penal, deixam de ser nocivos à sociedade. Em outras palavras, a aceitação cultural de determinadas práticas antes tidas como delituosas, retira-lhes a antijuridicidade material, cuja importância já foi anteriormente abordada. Aníbal Bruno[9] expõe que até mesmo Welzel defendia a adequação social da ação como causa de exclusão do ilícito. Para Welzel, expunha o penalista, ao lado das genuínas causas de justificação, se encontravam as “ações socialmente aceitas”, que representavam a normalidade da vida social. Cumpre anotar a lição no Profº Damásio Evangelista de Jesus[10]“Existem condutas consideradas justas pela consciência social que não se encontram acobertadas pelas causas de exclusão de antijuridicidade. É o caso do professor que impõe ao aluno uma punição não prevista no regulamento escolar e aceita pelas denominadas ‘normas de cultura’ .”E uma vez que legislador não pode prever quais ações delituosas representarão, no futuro, a normalidade da vida social e por isso serão aceitas socialmente , é indispensável que se recorra às justificativas supralegais como forma de imprimir coerência temporal ao ordenamento jurídico. Sobre o assunto, bem leciona Cezar Roberto Bitencourt[11] :“A própria natureza dinâmica das relações sociais e a necessidade de contextualização do Direito Positivo, que deve regular a convivência de uma comunidade em um determinado momento histórico, exigem o abandono de uma concepção puramente positivista das normas permissivas.”Algumas críticas, entretanto, são lançadas às justificativas supralegais pela doutrina. Zaffaroni e Pierangeli[12], por exemplo argumentam que atualmente a legislação deixa pouco espaço para a aplicação das justificativas supralegais, sendo, por conseguinte, desnecessárias. E isso porque, segundo eles, a expressão “exercício regular de direito” , expressa no artigo 23, inciso III, segunda parte, do estatuto repressor, permite que inclusive se busque disposições permissivas em qualquer parte da ordem jurídica. Assim lecionam os referidos doutrinadores:“Devido à carências do código penal alemão de 1871, a doutrina alemã entendeu que era necessário construir uma teoria das causas de justificação supralegais, particularmente no tocante ao estado de necessidade justificante. Hoje esta teoria já foi abandonada, e, em nosso país é totalmente desnecessária, pois nosso CP tem as causas de justificação perfeitamente estruturadas, incluindo o exercício regular de direito.[13]”Outra crítica lançada às justificantes supralegais se erige contra as fórmulas nas quais estas procuraram se apoiar. Como já foi dito, o conceito de antijuridicidade material foi de suma importância para a concepção das justificantes supralegais, porém, para Aníbal Bruno[14], o conceito de antijuridicidade material não é suficiente para embasar a teoria das justificativas supralegais. Era o pensamento do doutrinador:“As fórmulas propostas, geralmente se apóiam na concepção de antijuridicidade material e procuram descobrir na essência do injusto aquilo que, excluindo-se, pode tornar justa a ação cuja tipicidade faz presumir sua contrariedade ao direito (...) Quase todas essas fórmulas são infirmadas pelo seu caráter vago e incerto, que é o mesmo do conceito da antijuridicidade material.”Outra questão que se poderia levantar é se a admissão das justificantes supralegais não afrontaria o princípio da reserva legal que funciona, no âmbito do direito penal, como mecanismo de defesa contra os abusos estatais. O que ocorre é que as restrições oriundas de tal princípio não se aplicam ao direito penal de forma genérica, mas tão-somente às normas incriminadoras. É pacífico na doutrina que em relação às normas permissivas, tais restrições constitucionais não vigemCumpre ainda expor que, uma coisa é admitir a existência de justificantes supralegais, outra coisa é admitir a existência de “injustos supralegais”. As justificantes supralegais conferem melhor aplicabilidade ao Direito Penal em face do dinamismo das relações sociais, como já fora exposto, enquanto que a criação do “injusto supralegal” fere de forma incontestável o princípio da reserva legal, segundo o qual ninguém pode ser punido sem prévia e expressa tipificação legal[15]. A admissão das justificantes supralegais, ao contrário do que alguns pensam, não está vinculada à admissão da criação do “injusto supralegal”, como bem observa Cezar Roberto Bitencourt[16]:“Convém destacar que, ao contrário do que pensam alguns penalistas, a admissão de causas supralegais de justificação não implica necessariamente a aceitação de injustos supralegais, diante da proibição do princípio da reserva legal.” Consentimento do Ofendido Uma das causas supralegais de exclusão de antijuridicidade que mais se comenta é o consentimento do ofendido. Contudo, o tema ainda é muito controverso no que diz respeito à sua natureza, ao seu fundamento e ao seu alcance. Segundo Aníbal Bruno[17], poucos códigos penais contém disposições à respeito do tema, e os que contém, o abordam de forma imprecisa e insatisfatória. O Ilustre penalista nos expõe, acerca do consentimento do ofendido enquanto justificante supralegal. O seguinte conceito:“Consentimento é o ato jurídico constituído pela manifestação de vontade do titular de um bem disponível de permitir a outrem praticar, em relação ao bem uma ação que, sem este consentimento, teria o caráter de fato punível.” Cabe esclarecer que o consentimento do ofendido pode influir tanto na antijuridicidade como na tipicidade. E no que tange à tipicidade, o consentimento irá excluí-la, quando o tipo pressupor o dissenso da vítima, como por exemplo, nos casos de violação de correspondência ( art. 151 do CP), ou também poderá integrar o tipo, quando o assentimento da vítima constituir elemento estrutural da figura típica, como por exemplo, nos casos de aborto e rapto consentidos. O consentimento que nos interessa, no presente trabalho, é aquele que opera como justificante supralegal.Em outras palavras, o consentimento que nos interessa diz respeito àquele não contido no tipo penal como elementar, ou aos casos onde não estiver presente, de forma expressa, o dissenso da vítima, pois nessas hipóteses, por óbvio, o consentimento excluirá a tipicidade e não a antijuridicidade. É por que se assevere que também não devemos confundir o consentimento do ofendido, enquanto causa supralegal de exclusão de antijuridicidade, com o perdão do ofendido, concedido nos casos de ação penal privada, pois neste caso, segundo o artigo 107, V do Código Penal, haverá extinção da punibilidade e não exclusão de antijuridicidade.Porém, existem limites para que o consentimento do titular do bem lesado opera como causa supralegal de exclusão de antijuridicidade. Um dos principais limites à exclusão da antijuridicidade pelo consentimento do titular do bem lesado se refere a disponibilidade do bem afetado pela prática delituosa. Outro requisito essencial do consentimento se refere à capacidade do ofendido. Como bem assevera Cezar Roberto Bitencourt[18] , o consentimento justificante poderá existir quando decorrer de vontade juridicamente válida do titular de um bem disponível.

















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