quinta-feira, 26 de março de 2009

Depositário Infiel

Proibida prisão de “depositário infiel”

Um dos temas mais controversos no mundo jurídico diz respeito à prisão civil do depositário infiel. De acordo com o artigo 5°, inciso LXVII, “não haverá prisão civil por dívida, salvo o devedor de pensão alimentícia e o depositário infiel”. O tema é controverso, sobretudo por ir, tal preceito constitucional, de encontro ao espírito garantista da Constituição Federal. Só pode ser chamada de “Constituição Cidadã” aquela que garante direitos mínimos aos do povo. A previsão constitucional da prisão civil do depositário infiel contrasta com o espírito externado através de todos os outros dispositivos constitucionais.

Outro ponto que gera polêmica, com relação ao tema, é o fato de o Pacto de San Jose da Costa Rica (ratificado pelo Brasil) determina que só poderá haver prisão civil do devedor espontâneo de dívida alimentícia. Se o Brasil ratificou o referido diploma internacional todas as questões envolvendo o tema deveriam estar pacificadas, mas não é o que acontece, vez que se instalou discussão acerca da hierarquia das normas. A discussão gira em torno da hierarquia atribuída aos tratados internacionais por nós recepcionados.

Do ponto de vista técnico-legislativo é inadmissível que se permita a prisão civil do depositário infiel. A sanção, neste caso, é por demais desproporcional ao direito assegurado pela norma. É coerente privar alguém de sua liberdade por conta de um direito patrimonial que pode ser satisfeito de outras formas ? Para impor penas privativas de liberdade o direito penal usa técnicas legislativas próprias, que não foram observadas com relação à prisão do depositário infiel, o que dá, à esta sanção, caráter de verdadeira aberração jurídica. Mas agora parece que o tema está sendo satisfatoriamente resolvido.

O STF, em reunião plenária do dia 03 de dezembro de 2008, por unanimidade, proibiu a prisão do depositário infiel. Agora, segundo nossa Suprema Corte, a prisão civil por dívida é aplicável apenas ao responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia. Para sustentar esta tese, o Pleno do STF argumentou, entre outras coisas, que não há, ainda, lei que defina o rito processual e os prazos

Na realidade, por maioria, o plenário do STF arquivou o Recurso Extraordinário 349703 e, por unanimidade, negou provimento ao RE 466343 (ambos discutiam a prisão civil de alienante fiduciário infiel). Também por maioria, o STF decidiu no mesmo sentido em um terceiro processo, versando sobre o mesmo assunto, o HC 875 85. Assim, foi revogada a Súmula 619 do tribunal, segundo a qual “a prisão do depositário judicial pode ser decretada no próprio processo em que se constituiu o encargo, independentemente da propositura de ação de depósito” .
Nos recursos extraordinários, em processos contra clientes, os bancos Itaú e Bradesco questionavam decisões de que o contrato de alienação fiduciária em garantia é insuscetível de ser equiparado ao contrato de depósito de bem alheio (depositário infiel) para efeito de prisão civil .
Durante a discussão do assunto prevaleceu o entendimento que o direito à liberdade é um dos direitos humanos fundamentais e que sua privação só pode ocorrer em casos excep-cionalíssimos. De acordo com os ministros, a prisão civil por dívida não se enquadra nesse entendimento.

Enfim, como bem salientou o Luis Flávio Gomes, a nova jurisprudência do STF finca suas raízes em novos tempos, em novos horizontes: a era da globalização deve ser também a era da preponderância dos direitos humanos.

Paulo Sabio

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