segunda-feira, 9 de março de 2009

Tipicidade Conglobante


Tipicidade ConglobanteCumpre estudarmos no presente momento um tema sobre o qual muito se tem falado e pouco se tem compreendido, qual seja: a “tipicidade conglobante”, que nada mais é do que um juízo de tipicidade que leva em consideração, além da descrição típica da conduta, sua antinormatividade, sua contrariedade ao ordenamento jurídico como um todo.

Perceba, portanto, que: tal como leciona o Profº. Fernando Capez, o nome “conglobante” decorre da necessidade de que a conduta seja contrária ao ordenamento jurídico em geral (conglobado) e não apenas ao ordenamento penal.

A propósito: antes de continuarmos estudando a tipicidade conglobante propriamente dita, imaginemos a seguinte situação: um policial, de nome Pontcherello, munido de mandado de prisão expedido pelo juiz competente, se dirige até a residência do Sr. Vhouffu Jir , lhe dá voz de prisão e o transporta até a cadeia local, onde ele deverá permanecer, pelo menos, até o julgamento do processo por roubo ( art. 157 do CP) no qual figura como réu.

Pois bem: é certo que não se poderia responsabilizar penalmente o policial pela conduta de colocar o criminoso numa cela, mas, igualmente, não podermos negar que tal conduta se enquadra na descrição contida no artigo 148 do Código Penal, que assim preceitua: privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado.

Sendo que: é pacífico que o policial não será passível de nenhuma reprimenda penal pois agiu no estrito cumprimento do dever legal.

No entanto: discute-se nos dias de hoje se o estrito cumprimento do dever legal exclui a tipicidade ou a antijuridicidade. O estrito cumprimento do dever figura no rol do artigo 23 do Estatuto Repressor como sendo uma causa de exclusão da antijuridicidade, no entanto, para os autores que trabalham com o conceito conglobante de tipicidade, é esta ( tipicidade) que desaparece quando o sujeito age no estrito cumprimento do dever legal .

Isto porque: tal como lecionam os Mestres Eugenio Raul Zaffaroni e José Henrique Pierangelli, o juízo de tipicidade não é um mero juízo de tipicidade legal, mas que exige um outro passo, que é a comprovação da tipicidade conglobante, consistente na averiguação da proibição através da indagação do alcance proibitivo da norma, não considerada isoladamente, e sim conglobada na ordem normativa. A tipicidade conglobante é um corretivo da tipicidade legal, posto que pode excluir do âmbito típico aquelas condutas que apenas aparentemente estão proibidas[1].

Perceba que: o conceito de tipicidade conglobante destaca a importância de existir uma harmonia entre os dispositivos integrantes do ordenamento jurídico, posto que busca impedir que uma norma ordene o que outra proíbe, e esta finalidade é louvável pois como bem asseveram os penalistas supracitados, as normas jurídicas não vivem isoladas, mas num entrelaçamento em que umas limitam as outras, e não podem ignorar-se mutuamente.

Você pode estar se perguntando: qual a função deste juízo de tipicidade diferenciado ? Em verdade, este juízo conglobante de tipicidade permite que o Direito Penal apenas se ocupe de condutas que efetivamente contrariam a ordem jurídica, e não de condutas que apenas num primeiro momento podem ser consideradas antinormativas. Sobre este particular aspecto, temos por oportuno, mais uma vez, nos socorrermos das elucidativas lições dos Mestres Eugenio Raul Zaffaroni e José Henrique Pierangelli, que assim podem ser transcritas:

“A função deste segundo passo do juízo de tipicidade penal será, pois, reduzi-la à verdadeira dimensão daquilo que a norma proíbe, deixando fora da tipicidade penal aquelas condutas que somente são alcançadas pela tipicidade legal, mas que a ordem normativa não quer proibir, precisamente porque as ordena ou as fomenta.”

A propósito: na citação supra, os penalistas em comento citam a tipicidade legal. Vejamos então qual a diferença, segundo eles, entre esta espécie de tipicidade e a tipicidade conglobante:

Tipicidade legal: individualização que a lei faz da conduta, mediante o conjunto de elementos descritivos e valorativos ( normativos) de que se vale o tipo penal.

Tipicidade Conglobante: é a comprovação de que a conduta legalmente típica está também proibida pela norma, o que se obtém desentranhando o alcance da norma proibitiva conglobada com as restantes normas da ordem normativa.

Saiba ainda que: segundo os autores em comento, tipicidade legal + tipicidade conglobada = tipicidade penal.

Preste muita atenção: poder-se-ia dizer que no exemplo supra formulado há ausência de antijuridicidade e não atipicidade conglobante. No entanto, a essência das causas de justificação é totalmente diferente da atipicidade conglobante. Com relação à legítima defesa, por exemplo, esta se traduz em sendo uma permissão concedida ao cidadão para que, em situações específicas, ele repila, por seus próprios meios, uma agressão injusta. Em se tratando de “legítima defesa”, o direito permite a agressão, mas não a incentiva e nem a ordena.

Sendo que: segundo os penalistas supracitados, é precisamente esta a mais importante diferença entre a atipicidade conglobante e a justificação: a atipicidade conglobante não surge em função de permissões que a ordem jurídica resignadamente concede, e sim em razão de mandatos ou fomentos normativos ou de indiferença (por insignificância) da lei penal. Vejamos um exemplo prático desta diferença que nos é fornecido pelos penalistas em questão para que assim se possa melhor compreender o que estamos a expor:

“A ordem jurídica resigna-se a que um sujeito se apodere de uma jóia valiosa pertencente ao seu vizinho, e que a venda possa custear o tratamento de um filho gravemente enfermo, que não tem condições de pagar licitamente, mas ordena ao oficial de justiça que apreenda o quadro e lhe impõe uma pena se não o faz, fomenta as artes plásticas, enquanto que se mantém indiferente à subtração de uma folha de papel rabiscada.”

Pois bem: esperamos que esta sucinta exposição sobre a tal da “tipicidade conglobante” tenha possibilitado uma compreensão eficaz do tema, sendo que, por fim, temos por oportuno trazer à tona o posicionamento do Profº. Fernando Capez, questionando a utilidade da teoria da tipicidade conglobante:

“Embora concordando que a tipicidade formal (ou legal) não é suficiente, podemos substituir com vantagem a tipicidade conglobante pela exigência de que o fato típico, além da correspondência à descrição legal, tenha conteúdo do crime, fazendo-se incidir os já estudados princípios constitucionais do Direito Penal, a fim de dar conteúdo material ontológico ao tipo penal. Deste modo, se a lesão for insignificante, se não houver lesão ao bem jurídico, se não existir alteridade na ofensa, se não for traída a confiança social depositada no agente, se a atuação punitiva do Estado não for desproporcional ou excessivamente interventiva, dentre outros, o fato será materialmente atípico, sem precisar recorrer à atipicidade conglobante.”


[1] - Como é o caso da conduta do policial no exemplo formulado

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